segunda-feira, 27 de julho de 2009

Dia de apanhar amoras

Ainda não percebo muito bem essa coisa dos dias da semana,
- Pai, hoje já é sexta-feira?
- Não, hoje ainda só é terça-feira.
mas há um que eu já sei muito bem, a sexta-feira.
- Então é amanhã?
- Também não. Amanhã é quarta, depois quinta e só depois é que é sexta-feira.
Pois, a sexta-feira é que eu já sei muito bem, porque é o dia de ir dormir a casa da avó São e do avô Jorge. Mas ainda faltam tantos dias... Eu gosto muito do papá e da mamã, e do Tiaguinho. Quando o pai e a mãe nos vão buscar à escolinha, ao fim da tarde, eu dou sempre muitos beijos ao Tiago, faço-lhe muitas palhaçadas, e o mano gosta, porque ele ri-se e acho que isso quer dizer que fica contente. Quando estou um dia sem o ver sinto logo saudades do meu pequenino. É por isso que lhe dou muitos beijos.
- Pai, hoje é sexta-feira?
- É.
- Vou dormir a casa do avô e da avó?
- Talvez. Eu vou telefonar-lhes para saber se podem vir buscar-te logo.
Conversa fiada do papá. Claro que podem! Eu até acho que a avó e o avô também passam a semana a contar os dias, mortos que chegue a sexta-feira. O avô e a avó até costumam dizer, quando me vão buscar:
- Já estávamos com muitas saudades da nossa pequenina.
Quando chega a sexta-feira, eu também já tenho saudades da avó e do avô, quer dizer, já me apetece muito passar um dia com eles.
A caminho de casa, o avô anuncia:
- Amanhã, se estiver bom tempo, vamos de manhã à praia e de tarde vamos apanhar amoras. Pode ser?
- Siiiiiiiiiiim!
E assim foi. De manhã fomos até à Barra. A baixa-mar deixara uma grande faixa de areal com não mais que um palmo de água. Só o ventinho fresco, embora manso, destoava ali.
- Avó, está a bandeira verde!
- E o que é que isso quer dizer?
- Podemos molhar os pés e tomar banho.
- Mas é melhor esperar mais um bocado, ainda está frio.
Esperar, avó? Nem penses! Eu até estou com calor... Dou a mão ao avô
- Anda, avô
puxo-o e lá vamos nós. A água está clarinha, às vezes há uns poços pequeninos onde dá para me sentar e molhar o rabo. Também gosto de me estender e de molhar o peito, a barriga e as pernas.
Depois corre pela areia fora, vai ter com a avó, dois minutos sem estar ao pé da avó já é uma eternidade. Tenta puxá-la para o mar
- Anda, avó
mas só depois de muito instada é que a avó se resolve a ir.
- Ui, que água tão fria! - arrepia-se a avó.
Por fim ganha coragem, avançam um pouco mais. As ondas não chegam sequer aos joelhos da Carolina, mas, mesmo assim, ela acha que já é demais
- Avó, não gosto de água profunda
e quer vir mais para trás.
O avô fica a matutar naquilo, satisfeito pelo cuidado da neta e mais ainda pela palavra que usou: profunda. Água profunda. Sim, senhor, não está nada mal.
À tarde, depois do almoço, fomos então às amoras para os campos de Sarrazola. São dez minutos, de carro. Chapéus, garrafa de água e dois baldinhos de praia para recolher as amoras. O carro fica à sombra de uns eucaliptos altos. De um dos lados do caminho, uma vala de água escura e, do outro lado, um silvado contínuo a bordejá-lo. No caminho de terra batida há cascalho com fartura, que a Carolina logo descobre.
Tantas pedrinhas boas para atirar à água!
- Avó, posso atirar pedras para a água?
- Podes.
É tão engraçado ouvir o ploc que as pedras fazem na água
- Ainda vais acertar na cabeça de algum peixe.
Ela fica a olhar para a avó, meia incrédula, mas deixa logo de pensar nisso.
e ver as rodinhas que ficam na água depois da pedra mergulhar. Também é bom quando consigo atirar uma pedra mais longe
- Boa - diz a avó - essa foi muito longe.
- Eu já sou grande, já tenho muita força, pois é, avó?
A Carolina ainda apanha algumas amoras
- Hum... que boas!
mas logo volta para as pedras. Depois faz corridas com a avó, e ganha sempre.
- Olha, avô, eu corro mais que a avó!
- Pois corres.
E corre mesmo. Ao fim de três ou quatro corridas a avó já se queixa de um joelho.
- Avô, dá-me o balde das amoras.
Tira umas poucas e mete-as à boca.
- São mesmo boas!
- Estou bem arranjado com estas ajudantes.
Parecia que o avô estava zangado, mas não estava, porque os olhos dele riam-se.
O avô encheu o meu balde de praia até cima, com amoras pretinhas. Quando chegámos ao carro, sentei-me e fartei-me de comer. A avó até disse que eu ainda apanhava uma diarreia.
Quando se fartou de comer, quis passar para o banco da frente e sentou-se a conduzir.
É bom conduzir, mesmo só a brincar. E buzinar, então? E pôr os piscas todos a piscar? Passado um bocado o avô disse que eram horas de ir embora.
E ela, muito lampeira:
- Ó avô, vai só um bocadinho até ali adiante.
O avô riu-se e foi, e eu ainda tive tempo para buzinar mais duas vezes. Depois o avô abriu a porta do carro e fez-me cócegas na barriga, e eu tive que fugir para o banco de trás. À noite, o pai e a mãe vieram jantar connosco e à sobremesa houve amoras. E o avô ainda encheu uma caixinha delas para eu levar para casa.

sábado, 4 de julho de 2009

Hoje foi um dia bom

Este sábado foi dia de eu ficar com a avó e o avô. Todo o dia!
Eles vieram buscar-me à escolinha na sexta-feira à tarde. É quase sempre assim, todas as semanas. Mal os vejo aparecer à porta da sala, corro para a avó. Que bom, chegaram!
Traz o sol nos olhos, de contentamento. Parece que passa a semana à espera da sexta-feira.
A avó deixa-me dormir com ela e isso é tão bom! Na minha casa tenho de me deitar sozinha e não gosto nada disso. Não gosto de estar sozinha.
- Que dia é hoje? - pergunto, ao sairmos da escolinha.
- É sexta-feira.
- Sabias que éramos nós que te vínhamos buscar?
- Sim, o papá disse.
- E onde vais dormir?
O sorriso que faz responde ainda antes das palavras.
- Em casa do avô e da avó.
E lá vai a saltitar ao nosso lado.
Depois, há outro ritual a cumprir: ir ao café em frente comprar gomas. Devemos ser já conhecidos como os fregueses das gomas.
Mas não pensem que podemos ir já para casa.
- Avó, quero ir ao parque andar no baloiço.
E lá vamos ao parque infantil que fica nas traseiras da igreja.
Por fim, o avô e a avó põem-se a inventar grandes razões para conseguirem arrancar-me de lá: uma nuvem negra que dizem que traz muita chuva; um vento frio que me pode constipar; o jantar que é preciso ir fazer.
Neste sábado, fiquei o dia todo com a avó e o avô, e tive ainda um prémio especial: dormir também a noite de sábado para domingo em casa deles, porque o papá e a mamã foram a um casamento e devem chegar tarde. E este sábado não foi um dia bom só por isso. Ao fim da manhã fomos a uma terra que o avô diz que se chama Fontão, comprar pãozinho feito num forno que às vezes deita muito fumo. O pão sai muito quentinho e é tão bom comê-lo mesmo sem nada! Depois fomos fazer um almoço de piquenique, num parque com muita relva, à beirinha do rio, com mesas e bancos, muitas sombras gostosas e um ventinho fresco de regalar.
À tarde, depois de uma passagem pela terapeuta da fala, fomos ainda à Costa Nova. Estava prometido, desde que o tempo estivesse de feição. E esteve.
- Agora vamos então à praia - disse a avó.
- E temos de ir também ao mercado da Costa Nova comprar peixe para o jantar - lembrou o avô.
- Mas primeiro vamos à praia, está bem?
Entenda-se: nada de confusões quanto às prioridades. A praia, sim; agora isso do peixe...
Às cinco e meia da tarde era já um sol benigno; o vento apenas um ventinho de criança; e a água do mar, que só de pôr a ponta do pé costuma cobrir o corpo todo de pele de galinha, estava de estalo, morna que era um gosto.
Até a avó, que ainda antes de chegar junto da água já vai toda arrepiada, aventurou o dedo grande do pé e disse que sim, que a água estava boa. Mas quem me deu a mão para tomar banho foi o avô, que não é tão friorento e é capaz de se molhar até aos joelhos. E houve ainda baldes de água (coitado do avô, que teve de descer e subir o areal não sei quantas vezes para ir enchê-lo), castelos de areia, túneis, baleias, peixes e camarões feitos com as forminhas de plástico.
Depois, quando o sol começou a ficar friorento, fomos ao mercado. Quer dizer, o avô foi ao mercado, porque eu estava cansada e com sono e quis ficar no carro. Quando voltou, o avô trazia um saco com uns peixinhos pequeninos, que disse que eram carapauzinhos da areia, para comermos ao jantar. Eu acho que já comi disso e são muito bons, até se podem comer as espinhas e tudo. E trazia também um saco com umas cerejas muito grandes, muito pretinhas. Comi logo uma mão cheia delas e o avô disse que eu fiquei com uns bigodes vermelhos.
Pusemo-nos por fim a caminho de casa. E a Carolina, antes de adormecer na sua cadeirinha, disse ainda, como se falasse só consigo mesma, resumindo o dia:
- Hoje foi um dia bom.
E ainda antes de chegarmos à ponte da Barra já tinha fechado os olhos.