segunda-feira, 22 de outubro de 2007

lengalenga do vento

Há uma lengalenga, sabes,
- Se me contares, avô, fico a saber
- Sim, eu conto
a Lengalenga do Vento, de uma escritora chamada Maria Alberta Menéres. O avô sempre gostou dessa lengalenga e enquanto andou na escola, não em pequeno, que então na escola não se perdia tempo com lengalengas, não em pequeno, muitos anos depois noutra escola (a bem dizer, Carolina, o avô passou a vida na escola, tantos anos na escola, primeiro do lado dos meninos, a achar que os professores, uns velhos difíceis de aturar, queriam que aprendêssemos coisas muito aborrecidas que nós achávamos que não serviam para nada, embora estivessem sempre a dizer-nos que eram muito importantes, depois do lado dos professores a achar precisamente o contrário, a achar que as coisas que tínhamos para ensinar eram mesmo importantes embora os meninos, difíceis de aturar os meninos, não quisessem saber disso para nada).
- Já te perdeste na conversa, avô.
- Não perdi não, Carolina, estava a falar da Lengalenga do Vento, estava a dizer,
ia dizer que, muitos anos depois, noutra escola, o avô gostava de tentar que os meninos se encantassem com a Lengalenga do Vento
Senhor vento, que força.
O avô gostava de tentar que os meninos se encantassem, que os meninos se encantassem como espero que um dia te encantes, um pouco que seja, com esta outra Lengalenga do Vento , a do avô Jorge.
Lengalenga do Vento
Andava o senhor vento
um dia pelo mar
encontrou um barquinho:
- Senhor vento, que força!
Olhe que me vai afundar!
Andava o senhor vento
correndo pelo pinhal
quando ouviu um cuco:
- Senhor vento, que força!
Não me faça mal...
Andava o senhor vento
soprando sobre o rio
encontrou uma gaivota:
- Senhor vento, que força!
Faz-me tanto frio!
Andava o senhor vento
a deslizar sobre a neve
quando ouviu um floco:
- Senhor vento, que força!
Sinto-me tão leve!
Andava o senhor vento
passeando no mês de Maio
quando ouviu um menino:
- Senhor vento, que bom!
Lá vai o meu papagaio!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O vento

De entre as histórias que costumas arrancar das prateleiras da estante, quando estás em maré de leitura
O que é que pensas, avô?, as letras ainda não sei ler, mas as figuras sei muito bem, e até gosto de pegar numa esferográfica e acrescentar uns riscos da minha autoria, percebe-se pela vossa cara que não gostam que eu faça isso
- Não risques o livro, Carolina
mas eu acho que os desenhos ficam muito mais bonitos assim
de entre as histórias, então, que costumas arrancar das prateleiras da estante há uma que te merece sempre um interesse especial, O Vento, publicada em Novembro de 1976
(consegues imaginar essa eternidade?)
tinha o papá só uns meses.
A avó São já me mostrou algumas fotografias do papá mais ou menos com essa idade, a avó São diz que é o papá, e se me perguntam quem é o bebé que está nas fotografias eu faço o jeito
- É o papá
mas acho que não é nada o papá, o papá é grande, tem barba e óculos, como é que aquele pequenino, muito mais pequenino do que eu, enchouriçado em fraldas e roupas, pode ser o papá?
Pousas O Vento no sofá e pões-te a folheá-lo
A lê-lo, avô, já te expliquei
e pões-te a lê-lo com muita atenção, tirando dúvidas com a avó
- O que é isto?
outras vezes explicando tu à avó
- Os meninos estão na praia
a avó
- Pois estão, e o vento, já viste?, levantou o papagaio de papel daquele menino
e tu outra vez a explicar
- Olha, avó, a areia, o mar
cada página com coisas vistas e revistas
(o vento do Outono levando as folhas das árvores e os gorros dos meninos, no Verão erguendo no céu as cores dos papagaios de papel, o vento do Inverno virando os guarda-chuvas, o da Primavera passando ao de leve a mão no rosto das flores)
mas sempre novas
porque as coisas, avô, não deixam de ser novas por já as termos visto, é só olhá-las como se fosse a primeira vez.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Avó, quero uma história

No escritório há duas prateleiras da estante reservadas aos livros que já foram do papá quando era mais ou menos do teu tamanho, e também um pouco mais velho, quer dizer, livros do tempo em que ele andava na escolinha (como tu agora) e livros de quando já andava na escola sem inha, na escola mesmo, e que depois, quando o papá cresceu e passou a interessar-se por outros livros, foram arrumados no sótão por falta de préstimo imediato
(estavam afinal à tua espera sem que ninguém o soubesse, excepto talvez os próprios livros
- Estamos à espera de uma menina que há-de vir
são muito pacientes os livros, são capazes de estar anos e anos à espera, até que um dia)
até que um dia uma menina chegou e logo os livros sacudindo-se do pó
- Era desta menina que estávamos à espera, é a Carolina, não é?
e a avó São e o avô Jorge deram então aos livros a honra de descerem da penumbra subalterna do sótão para as prateleiras nobres do escritório, onde agora estão e onde tu gostas de te empoleirar
- Avó, quero uma história
a avó a içar-te até pousares os pés na segunda prateleira, tu a ergueres os bracitos para chegares aos livros lá em cima
(tão altos os livros e tão apertados uns contra os outros)
por fim lá arrancas dois ou três, voas até ao chão nos braços da avó, pousas os livros no sofá e aí ficas a folheá-los, a descobrir mistérios
- Avó, que é isto?
e a avó
- É um menino dentro de uma gota de água
- E isto?
- É o mar, vês?, e as ondas, e um barquinho lá ao longe
a passares logo a outro livro, que a atenção não dá para muito
- Avó, que é isto?
e a avó
(tão paciente contigo)
vezes sem conta a dar-te a mão na descoberta do mundo.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O esquitóio

Em casa da avó São e do avô Jorge há um sítio de que pareces gostar especialmente. Muitas vezes estamos na saleta
(ou na cozinha, ou na sala de estar)
e tu agarras a mão da avó
(mais raramente a minha)
começas a puxar
- Anda avó
a puxar com mais força porque a avó não se mexe
- Espera só um bocadinho
pretextando coisas de que não queres saber para nada
- Deixa-me só ir levar esta roupa lá acima
fincas os pés no chão, já impaciente, inclinando o tronco para o lado
- Aqui não
a avó, até que enfim
- Para onde queres ir?
tu sempre a puxar não vá ela mudar de ideias
- Pó esquitóio
e por fim aí vai a avó São a reboque para o escritório.
E lá ficas a ouvir as tuas músicas e a dançar,
e a ver no computador os filmezinhos
(que já sabes escolher muito bem esticando o dedito até ao monitor
- Este)
que o avô fez, em que, como não podia deixar de ser, és a personagem central, muitas vezes acolitada pela avó São,
e a ver o Noddy ,
e a folhear os teus livros
(que já foram do papá quando era do teu tamanho)
e a desenhar.
E às vezes, ausente, com o dedito na boca, simplesmente a sonhar.

domingo, 7 de outubro de 2007

Catatim, catatão

As tuas mãozitas agarrando as cordas do baloiço, dizendo estou pronta, tu já impaciente com a demora, vê-se na tua cara que os adultos são uns atados, demoram eternidades a fazer o que queremos, complicam tudo
- Com muita força, avô
o baloiço enfim a subir, ainda devagar, tão devagar, avô
- Mais força
aí vens tu agora rasgando o ar
- Mais força, avô
os pés lançados para a frente como uma proa cortando a água, o teu sorriso a ir e a vir, a ir e a vir, a ir e a vir, numa cadência ritmada que procuro sublinhar com esta cantilena que fiz para ti, que começo por entoar sozinho sem que prestes atenção
(sem que pareças prestar atenção)
uma vez, outra vez, e de repente dou contigo a dizer a cantilena a meias comigo (pensavas que eu não estava a ouvir, avô?)
- catatim, catatão, o gato
e tu
- e o cão
- catatim, catatua, o sol
e tu de novo
- e a lua.
Catatim, catatão

o gato e o cão
catatim, catatua
o Sol e a Lua.

O Sol e a Lua
catatim, catatua
o gato e o cão
catatim, catatão.