quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O vento

De entre as histórias que costumas arrancar das prateleiras da estante, quando estás em maré de leitura
O que é que pensas, avô?, as letras ainda não sei ler, mas as figuras sei muito bem, e até gosto de pegar numa esferográfica e acrescentar uns riscos da minha autoria, percebe-se pela vossa cara que não gostam que eu faça isso
- Não risques o livro, Carolina
mas eu acho que os desenhos ficam muito mais bonitos assim
de entre as histórias, então, que costumas arrancar das prateleiras da estante há uma que te merece sempre um interesse especial, O Vento, publicada em Novembro de 1976
(consegues imaginar essa eternidade?)
tinha o papá só uns meses.
A avó São já me mostrou algumas fotografias do papá mais ou menos com essa idade, a avó São diz que é o papá, e se me perguntam quem é o bebé que está nas fotografias eu faço o jeito
- É o papá
mas acho que não é nada o papá, o papá é grande, tem barba e óculos, como é que aquele pequenino, muito mais pequenino do que eu, enchouriçado em fraldas e roupas, pode ser o papá?
Pousas O Vento no sofá e pões-te a folheá-lo
A lê-lo, avô, já te expliquei
e pões-te a lê-lo com muita atenção, tirando dúvidas com a avó
- O que é isto?
outras vezes explicando tu à avó
- Os meninos estão na praia
a avó
- Pois estão, e o vento, já viste?, levantou o papagaio de papel daquele menino
e tu outra vez a explicar
- Olha, avó, a areia, o mar
cada página com coisas vistas e revistas
(o vento do Outono levando as folhas das árvores e os gorros dos meninos, no Verão erguendo no céu as cores dos papagaios de papel, o vento do Inverno virando os guarda-chuvas, o da Primavera passando ao de leve a mão no rosto das flores)
mas sempre novas
porque as coisas, avô, não deixam de ser novas por já as termos visto, é só olhá-las como se fosse a primeira vez.

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