segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Avó, quero uma história

No escritório há duas prateleiras da estante reservadas aos livros que já foram do papá quando era mais ou menos do teu tamanho, e também um pouco mais velho, quer dizer, livros do tempo em que ele andava na escolinha (como tu agora) e livros de quando já andava na escola sem inha, na escola mesmo, e que depois, quando o papá cresceu e passou a interessar-se por outros livros, foram arrumados no sótão por falta de préstimo imediato
(estavam afinal à tua espera sem que ninguém o soubesse, excepto talvez os próprios livros
- Estamos à espera de uma menina que há-de vir
são muito pacientes os livros, são capazes de estar anos e anos à espera, até que um dia)
até que um dia uma menina chegou e logo os livros sacudindo-se do pó
- Era desta menina que estávamos à espera, é a Carolina, não é?
e a avó São e o avô Jorge deram então aos livros a honra de descerem da penumbra subalterna do sótão para as prateleiras nobres do escritório, onde agora estão e onde tu gostas de te empoleirar
- Avó, quero uma história
a avó a içar-te até pousares os pés na segunda prateleira, tu a ergueres os bracitos para chegares aos livros lá em cima
(tão altos os livros e tão apertados uns contra os outros)
por fim lá arrancas dois ou três, voas até ao chão nos braços da avó, pousas os livros no sofá e aí ficas a folheá-los, a descobrir mistérios
- Avó, que é isto?
e a avó
- É um menino dentro de uma gota de água
- E isto?
- É o mar, vês?, e as ondas, e um barquinho lá ao longe
a passares logo a outro livro, que a atenção não dá para muito
- Avó, que é isto?
e a avó
(tão paciente contigo)
vezes sem conta a dar-te a mão na descoberta do mundo.

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