sábado, 7 de novembro de 2009

Os anos do avô


Ontem o avô fez anos. E como era sexta-feira, ele e a avó São vieram buscar-me à escolinha.
Isto dos dias da semana ainda me faz um bocado de confusão. Mas sexta-feira eu sei quando é: é quando o avô Jorge e a avó São me vêm buscar e vamos direitinhos para casa deles.
Desta vez, quando íamos a caminho de casa, a avó perguntou-me:
- Sabes quem faz anos hoje?
Eu sabia, mas tinha-me esquecido. Mas quando a avó me fez a pergunta eu lembrei-me logo:
- É o avô.
Eu acho que o avô ficou contente por eu me ter lembrado dos anos dele, porque os olhos do avô sorriram um bocadinho.
Ele só disse:
- Pois é, o avô faz anos hoje. Sessenta e cinco.
- Eu tenho uma surpresa para ti, avô.
- Ai sim? Onde está?
- Está na minha mochila.
- E o que é?
O avô já estava a arder de curiosidade, mas eu sabia muito bem que ainda era cedo para revelar o segredo.
- Ó avô, não vês que ainda não te posso dizer o que é?
A avó ajudou:
- Só logo, depois de cantarmos os parabéns e de o avô apagar as velas do bolo. Não é, Carolina?
- É.
O avô pareceu conformar-se.
- Então está bem. Dás-me a tua surpresa logo, no fim do jantar.
E assim foi. A avó acendeu as velas e uma coisa que largava muitas estrelinhas. Depois de o avô apagar as velas (eu também soprei!), fui então buscar a minha prenda. O avô desembrulhou-a: era uma moldura com um desenho que eu fiz. Achei melhor explicar:
- Aqui no meio sou eu; deste lado é a avó, e do outro lado é o avô com o Tiaguinho ao colo.
O avô puxou-me para ele e deu-me um beijo muito repenicado. Acho que ele gostou muito da minha prenda, porque, ainda antes de nos irmos todos deitar, foi pôr o desenho no escritório, numa prateleira da estante em frente da secretária, virado para o sítio onde ele costuma estar sentado.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Dia de apanhar amoras

Ainda não percebo muito bem essa coisa dos dias da semana,
- Pai, hoje já é sexta-feira?
- Não, hoje ainda só é terça-feira.
mas há um que eu já sei muito bem, a sexta-feira.
- Então é amanhã?
- Também não. Amanhã é quarta, depois quinta e só depois é que é sexta-feira.
Pois, a sexta-feira é que eu já sei muito bem, porque é o dia de ir dormir a casa da avó São e do avô Jorge. Mas ainda faltam tantos dias... Eu gosto muito do papá e da mamã, e do Tiaguinho. Quando o pai e a mãe nos vão buscar à escolinha, ao fim da tarde, eu dou sempre muitos beijos ao Tiago, faço-lhe muitas palhaçadas, e o mano gosta, porque ele ri-se e acho que isso quer dizer que fica contente. Quando estou um dia sem o ver sinto logo saudades do meu pequenino. É por isso que lhe dou muitos beijos.
- Pai, hoje é sexta-feira?
- É.
- Vou dormir a casa do avô e da avó?
- Talvez. Eu vou telefonar-lhes para saber se podem vir buscar-te logo.
Conversa fiada do papá. Claro que podem! Eu até acho que a avó e o avô também passam a semana a contar os dias, mortos que chegue a sexta-feira. O avô e a avó até costumam dizer, quando me vão buscar:
- Já estávamos com muitas saudades da nossa pequenina.
Quando chega a sexta-feira, eu também já tenho saudades da avó e do avô, quer dizer, já me apetece muito passar um dia com eles.
A caminho de casa, o avô anuncia:
- Amanhã, se estiver bom tempo, vamos de manhã à praia e de tarde vamos apanhar amoras. Pode ser?
- Siiiiiiiiiiim!
E assim foi. De manhã fomos até à Barra. A baixa-mar deixara uma grande faixa de areal com não mais que um palmo de água. Só o ventinho fresco, embora manso, destoava ali.
- Avó, está a bandeira verde!
- E o que é que isso quer dizer?
- Podemos molhar os pés e tomar banho.
- Mas é melhor esperar mais um bocado, ainda está frio.
Esperar, avó? Nem penses! Eu até estou com calor... Dou a mão ao avô
- Anda, avô
puxo-o e lá vamos nós. A água está clarinha, às vezes há uns poços pequeninos onde dá para me sentar e molhar o rabo. Também gosto de me estender e de molhar o peito, a barriga e as pernas.
Depois corre pela areia fora, vai ter com a avó, dois minutos sem estar ao pé da avó já é uma eternidade. Tenta puxá-la para o mar
- Anda, avó
mas só depois de muito instada é que a avó se resolve a ir.
- Ui, que água tão fria! - arrepia-se a avó.
Por fim ganha coragem, avançam um pouco mais. As ondas não chegam sequer aos joelhos da Carolina, mas, mesmo assim, ela acha que já é demais
- Avó, não gosto de água profunda
e quer vir mais para trás.
O avô fica a matutar naquilo, satisfeito pelo cuidado da neta e mais ainda pela palavra que usou: profunda. Água profunda. Sim, senhor, não está nada mal.
À tarde, depois do almoço, fomos então às amoras para os campos de Sarrazola. São dez minutos, de carro. Chapéus, garrafa de água e dois baldinhos de praia para recolher as amoras. O carro fica à sombra de uns eucaliptos altos. De um dos lados do caminho, uma vala de água escura e, do outro lado, um silvado contínuo a bordejá-lo. No caminho de terra batida há cascalho com fartura, que a Carolina logo descobre.
Tantas pedrinhas boas para atirar à água!
- Avó, posso atirar pedras para a água?
- Podes.
É tão engraçado ouvir o ploc que as pedras fazem na água
- Ainda vais acertar na cabeça de algum peixe.
Ela fica a olhar para a avó, meia incrédula, mas deixa logo de pensar nisso.
e ver as rodinhas que ficam na água depois da pedra mergulhar. Também é bom quando consigo atirar uma pedra mais longe
- Boa - diz a avó - essa foi muito longe.
- Eu já sou grande, já tenho muita força, pois é, avó?
A Carolina ainda apanha algumas amoras
- Hum... que boas!
mas logo volta para as pedras. Depois faz corridas com a avó, e ganha sempre.
- Olha, avô, eu corro mais que a avó!
- Pois corres.
E corre mesmo. Ao fim de três ou quatro corridas a avó já se queixa de um joelho.
- Avô, dá-me o balde das amoras.
Tira umas poucas e mete-as à boca.
- São mesmo boas!
- Estou bem arranjado com estas ajudantes.
Parecia que o avô estava zangado, mas não estava, porque os olhos dele riam-se.
O avô encheu o meu balde de praia até cima, com amoras pretinhas. Quando chegámos ao carro, sentei-me e fartei-me de comer. A avó até disse que eu ainda apanhava uma diarreia.
Quando se fartou de comer, quis passar para o banco da frente e sentou-se a conduzir.
É bom conduzir, mesmo só a brincar. E buzinar, então? E pôr os piscas todos a piscar? Passado um bocado o avô disse que eram horas de ir embora.
E ela, muito lampeira:
- Ó avô, vai só um bocadinho até ali adiante.
O avô riu-se e foi, e eu ainda tive tempo para buzinar mais duas vezes. Depois o avô abriu a porta do carro e fez-me cócegas na barriga, e eu tive que fugir para o banco de trás. À noite, o pai e a mãe vieram jantar connosco e à sobremesa houve amoras. E o avô ainda encheu uma caixinha delas para eu levar para casa.

sábado, 4 de julho de 2009

Hoje foi um dia bom

Este sábado foi dia de eu ficar com a avó e o avô. Todo o dia!
Eles vieram buscar-me à escolinha na sexta-feira à tarde. É quase sempre assim, todas as semanas. Mal os vejo aparecer à porta da sala, corro para a avó. Que bom, chegaram!
Traz o sol nos olhos, de contentamento. Parece que passa a semana à espera da sexta-feira.
A avó deixa-me dormir com ela e isso é tão bom! Na minha casa tenho de me deitar sozinha e não gosto nada disso. Não gosto de estar sozinha.
- Que dia é hoje? - pergunto, ao sairmos da escolinha.
- É sexta-feira.
- Sabias que éramos nós que te vínhamos buscar?
- Sim, o papá disse.
- E onde vais dormir?
O sorriso que faz responde ainda antes das palavras.
- Em casa do avô e da avó.
E lá vai a saltitar ao nosso lado.
Depois, há outro ritual a cumprir: ir ao café em frente comprar gomas. Devemos ser já conhecidos como os fregueses das gomas.
Mas não pensem que podemos ir já para casa.
- Avó, quero ir ao parque andar no baloiço.
E lá vamos ao parque infantil que fica nas traseiras da igreja.
Por fim, o avô e a avó põem-se a inventar grandes razões para conseguirem arrancar-me de lá: uma nuvem negra que dizem que traz muita chuva; um vento frio que me pode constipar; o jantar que é preciso ir fazer.
Neste sábado, fiquei o dia todo com a avó e o avô, e tive ainda um prémio especial: dormir também a noite de sábado para domingo em casa deles, porque o papá e a mamã foram a um casamento e devem chegar tarde. E este sábado não foi um dia bom só por isso. Ao fim da manhã fomos a uma terra que o avô diz que se chama Fontão, comprar pãozinho feito num forno que às vezes deita muito fumo. O pão sai muito quentinho e é tão bom comê-lo mesmo sem nada! Depois fomos fazer um almoço de piquenique, num parque com muita relva, à beirinha do rio, com mesas e bancos, muitas sombras gostosas e um ventinho fresco de regalar.
À tarde, depois de uma passagem pela terapeuta da fala, fomos ainda à Costa Nova. Estava prometido, desde que o tempo estivesse de feição. E esteve.
- Agora vamos então à praia - disse a avó.
- E temos de ir também ao mercado da Costa Nova comprar peixe para o jantar - lembrou o avô.
- Mas primeiro vamos à praia, está bem?
Entenda-se: nada de confusões quanto às prioridades. A praia, sim; agora isso do peixe...
Às cinco e meia da tarde era já um sol benigno; o vento apenas um ventinho de criança; e a água do mar, que só de pôr a ponta do pé costuma cobrir o corpo todo de pele de galinha, estava de estalo, morna que era um gosto.
Até a avó, que ainda antes de chegar junto da água já vai toda arrepiada, aventurou o dedo grande do pé e disse que sim, que a água estava boa. Mas quem me deu a mão para tomar banho foi o avô, que não é tão friorento e é capaz de se molhar até aos joelhos. E houve ainda baldes de água (coitado do avô, que teve de descer e subir o areal não sei quantas vezes para ir enchê-lo), castelos de areia, túneis, baleias, peixes e camarões feitos com as forminhas de plástico.
Depois, quando o sol começou a ficar friorento, fomos ao mercado. Quer dizer, o avô foi ao mercado, porque eu estava cansada e com sono e quis ficar no carro. Quando voltou, o avô trazia um saco com uns peixinhos pequeninos, que disse que eram carapauzinhos da areia, para comermos ao jantar. Eu acho que já comi disso e são muito bons, até se podem comer as espinhas e tudo. E trazia também um saco com umas cerejas muito grandes, muito pretinhas. Comi logo uma mão cheia delas e o avô disse que eu fiquei com uns bigodes vermelhos.
Pusemo-nos por fim a caminho de casa. E a Carolina, antes de adormecer na sua cadeirinha, disse ainda, como se falasse só consigo mesma, resumindo o dia:
- Hoje foi um dia bom.
E ainda antes de chegarmos à ponte da Barra já tinha fechado os olhos.

sábado, 13 de junho de 2009

Ora toma, avó...

A Carolina tem alguns hábitos que o avô e a avó, pela educação que tinham os meninos nos tempos mais austeros em que foram meninos, quando se esperava e se exigia que uma criança bem educada se comportasse como um adultozinho em formato miniatural...
Está complicado, voltemos ao princípio.
A Carolina tem alguns hábitos que o avô e a avó, pelas razões ditas, têm às vezes a tentação de achar menos próprios, mas quase sempre a ternura prevalece e essas ideias feitas que aperreiam os pimpolhos são deixadas de lado. Enfim, o avô e a avó deixam a Carolina ser uma menina de quatro anos, não a apertando precocemente nos espartilhos da "boa educação". Nestas coisas, lembro-me sempre da figura tristemente exemplar do Eusebiozinho, que Eça desenhou n' "Os Maias". E os avós, que diabo, é mesmo da sua condição serem mais indulgentes e passa-culpas.
Enfim, a Carolina poucas vezes come à mesa connosco. Dado que, além do mais, é "um pisco", como diz o avô, a avó dá-lhe quase sempre de comer antes de nós, e por onde calha: no sofá, a ver desenhos animados; no baloiço; no jardim, quando o tempo convida. Depois comemos nós, enquanto ela se entretém a brincar com qualquer coisa.
Há dias, ao almoço, ela reparou que a avó e o avô puseram um pó num copo, a que juntaram um pouco de água, e depois mexeram.
- O que é isso, avó?
- É um remédio.
- Para quê?
- É um remédio para os ossos.
- O avô também toma?
- Também.
O avô mete-se na conversa:
- Vais ver como a avó faz muitas caretas a tomar este remédio.
- Fazes, avó?
- A avó é muito fiteira - acirra o avô.
- Não sou nada - defende-se a avó - o remédio é que é muito mal gostoso.
A Carolina fica um instante em silêncio. Depois olha a avó, como quem diz: sempre quero ver se é verdade.
- Ora toma, avó...
O avô tinha mesmo razão: a avó fechou os olhos, contorceu a cara num esgar, soltou uns sons guturais, e a Carolina, claro, fartou-se de rir. E achou tanta graça que exigiu que o avô, que nunca faz essas fitas, as fizesse dessa vez.
Na semana seguinte, viu fazer a mesma operação de despejar os pozinhos nos copos. E o pedido veio logo:
- Ora toma, avó...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Avó, quero um brinquedo

Em geral, não consegue estar muito tempo a fazer a mesma coisa. Não sou especialista em nada deste mundo, muito menos em crianças, mas, nestes quatro anos que tem a Carolina, acho natural esta inconstância, o fartar-se depressa, o querer mudar.
O que ela não larga nunca, agora, são as Winx. Sabe os nomes de todas, sem falhar, e já as tem quase todas. E as que não tem, já vai avisando que as quer.
- Avó, quero a Tecna.
Lá vamos explicando que ela já tem muitas Winx, que não se pode andar sempre a comprar bonecas, que são caras, que o dinheiro é preciso para outras coisas. Conversa fiada de gente grande, que só acha importante mesmo aquilo que lhe interessa. Ela já sabe que o avô e a avó, bem trabalhados, acabam por ceder, se não for logo será daí a algum tempo. De modo que:
- Mas eu quero...
E daí a algum tempo tem mesmo.
Às vezes, ao sábado, quando está connosco, sai-se com esta:
- Avó, vamos ao Toys 'R Us.
- Pede ao avô.
- Avô, vamos ao Toys 'R Us.
- Ainda na semana passada te comprámos um brinquedo.
- Mas é só para ver...
Ou então, quase juntando os polegares:
- Só um deste tamanho, que custe pouquinho dinheiro.
E lá vamos nós, que quase não sabemos dizer-lhe que não.

sábado, 25 de abril de 2009

Ternura

Está sentada no sofá, a ver desenhos animados. Sento-me ao lado dela e ficamos por momentos em silêncio. Depois veio-me um acesso de ternura e senti necessidade de lha dizer. Pousei-lhe ao de leve a mão sobre o cabelo, um dedo desceu pela face.
- Gosto muito da minha netinha.
- Eu também gosto.
Fiquei na dúvida.
- De quem?
- Gosto muito do avô.
E continuou a ver os desenhos animados.

domingo, 29 de março de 2009

Vêm aí os quatro anos



Os quatro anos estão perto.
- Quantos anos vais fazer, CarolinaMostra quatro dedos da mão, bem abertos, com o polegar recolhido.
- Quatro.
E muito senhora de si:
- Eu já sou grande!
A pressa que ela tem de ser grande.
Eu quero ser grande, porque afinal os grandes é que decidem tudo: quando são horas de tomar banho, de comer, se tenho de vestir uma camisola mesmo que eu esteja com calor, se se pode ou não comprar o brinquedo que eu quero, se posso ficar um bocadinho no parque infantil ou comer gomas ou pipocas. Ser grande tem muitas vantagens, e isso eu já percebi.
Ainda faltava mais de um mês e já a Carolina ia dizendo à avó e ao avô as prendas que queria ter nos anos: isto e aquilo e aqueloutro. Pedia muitas, era mais seguro. Sempre haveria de ter algumas.
Se pudesse ser, eu queria ter prendas todos os dias. Acho muito aborrecido que só queiram dar-me prendas pelo Natal e quando faço anos.
Pega nos embrulhos com uma excitação tão feliz que nos faz apetecer dar-lhe prendas sempre que está connosco. Às vezes, quando a vamos buscar à escolinha, ela lá se põe a tocar-nos a corda sensível.
- Avó, quero um brinquedo.
Eu acho que a avó não me sabe dizer que não e acaba quase sempre por me fazer as vontades. Eu também tenho de fazer algumas vontades da avó, mas às vezes demoro um bocadinho. O avô, coitado, quer mostrar que nem sempre se pode fazer o que eu quero.
- Não se pode ter brinquedos novos todos os dias.
Mas só finge que resiste. Por baixo do ar sério, vê-se mesmo que se está a derreter todo.
- Só um, assim pequenino.
E mostra-nos os dois dedos indicadores apenas um nadinha afastados um do outro. Pequenino mesmo.
Mas agora são os meus anos, não há desculpas.
- Quero uma Winx.
- Já tens duas Winx.
- Mas a Stella ainda não tenho.
Fica registado: a Stella.
A avó ainda ajuda à missa:
- E que mais?
- Quero um livro da Camila.
- Está bem.
- E um DVD do Rato Mickey. E...
- E mais nada? - diz o avô.
Acho que o avô não está a falar a sério. Ainda quer que eu peça mais coisas? Ele deve querer dizer é que já chega.
Já estou a vê-la: quando o dia dos anos chegar, vai mergulhar no saco das prendas como se estivesse a entrar na caverna do Ali Babá.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

As pessoas grandes

As pessoas grandes passam a vida a inventar coisas aborrecidas que eu tenho que fazer. Estou a brincar com as minhas bonecas ou a fazer desenhos, e lá vem a avó:
- Carolina, são horas de ir tomar banho.
Ou estou sentada no sofá, a ver desenhos animados e a chuchar o dedo, e o avô:
- Meninas,
(quando o avô diz meninas, já sei que está a falar para mim e para a avó)
vão sendo horas de lavar os dentes e ir para a cama.
Acho que chamam a isto educação, mas se a educação é isto é uma coisa muito aborrecida. A educação, pelos vistos, é ter de fazer aquilo que não nos apetece nada fazer.
E depois a mania das horas. Os grandes têm horas para tudo e não me deixam em paz por causa dessa mania. São horas de tomar banho, são horas de jantar, de ir para a cama, de dormir, de levantar, de vestir, de ir para a escolinha. Por causa disso, parece que andam sempre com pressa e aborrecem-se se as coisas não se fazem às horas que eles entendem.
Mesmo assim, o avô e a avó têm muita paciência comigo. São como as outras pessoas grandes, têm a mania das horas, mas não me obrigam a fazer logo, logo, o que têm na cabeça. Deixam-me brincar mais um bocadinho, mas depois acabo sempre por ter de fazer o que eles querem. Menos comer bem, quando não me apetece.
- Vá, uma garfada à Popey – diz o avô, para me animar.
Às vezes, para brincar com ele, ponho só um bocadinho muito pouco de comida no garfo e deixo-o ficar no ar, para ele ver.
- Oh – diz o avô, a fingir-se triste – essa é à Olívia Palito.
Mas logo a seguir encho uma garfada grande.
- Ah, assim é que é.
E os olhos do avô riem-se muito.

O sonho

Quando fica em nossa casa, a Carolina dorme com a avó.
Hoje de manhã, depois de todos arranjados (o que leva o seu tempo, porque é preciso lavar e vestir, tomar o leite, ver desenhos animados, brincar um bocadinho), fomos levá-la à escolinha. Pelo caminho, a avó pediu-lhe:
- Tu esta noite tiveste um sonho. Conta à avó o que é que sonhaste.
Ela ficou calada.
- Eu vi que tu sonhaste – insistiu a avó.
Pareceu pensar um instante, como se tentasse lembrar-se. Por fim, arrumou a questão:
- Os meus olhos não viram nada.
- Pois é – disse o avô. – Quando nós sonhamos é como se víssemos as coisas, não é?
Acho que o avô tem razão. Esta noite não me lembro de ter visto nada, por isso não tenho nenhum sonho para contar.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Estão contentes?

Há alturas em que comer é um problema.
- És um pisco – diz o avô.
Da primeira vez ela ficou a olhar.
- O que é um pisco?
- É um pássaro pequenino, que come poucochinho.
As pessoas grandes, às vezes, são muito aborrecidas.
- Só um bocadinho de sopa, Carolina – teima a avó.
Porque é que os grandes são assim? Sempre a quererem que eu coma, mesmo quando não me apetece nada. Às vezes, nem sequer uma guloseima. O avô não insiste muito, mas a avó não desiste com facilidade.
- Só três colheres, vá.
E eu farta de saber que depois daquelas três a avó vai continuar a teimar:
- Só mais esta.
Ultimamente, tem sido uma ralação, pior que um pisco.
- Se não comeres vais ficar doente – diz a avó. – Nós ficamos muito tristes quando tu não comes, sabes?
O avô, à maneira dele, põe-se a ajudar à missa:
- Tens de comer muito, como o Popey, para teres força para brincar.
Ontem, a Carolina ficou connosco. Ao jantar, para nossa surpresa, comeu a sopa toda. E pela mão dela.
O avô e a avó fartaram-se de fazer elogios.
Então ela quis confirmar:
- Estão contentes?
E pela cara deles via-se que estavam mesmo contentes.
Depois comeu o resto. Quando acabou, foi direita ao aparador da sala, que tem uma gaveta muito especial – o avô pôs-lhe o nome de gaveta das delícias – e reclamou o seu prémio: um quadradinho de chocolate.
Ficámos todos de bem com o mundo.